Meu nome é Jefferson Rodrigues e sou desenvolvedor há mais de 15 anos no universo Java, desde a época em que usávamos applets para imprimir etiquetas em impressoras térmicas (sim, acabei de entregar a idade), até a construção de microsserviços com alta performance.
Já enfrentei muitos desafios: vasculhei a internet nas profundezas do Stack Overflow em busca de soluções para problemas cabeludos, traduzi tutoriais do russo para entender o funcionamento de certos frameworks e criei soluções do zero desde manipular bibliotecas de sistema operacional no Linux para desenvolver drivers compatíveis com a linguagem, até realizar engenharia reversa em DLLs para entender seu funcionamento e produzir documentação que possibilitou a implementação por toda a equipe.
Acho que todo dev tem sua liturgia ao realizar uma demanda, seja uma feature ou um bug. Ambas têm seus rituais, e geralmente existe uma linha lógica para cada uma. A minha funciona mais ou menos assim (de forma resumida):
- Entender como deveria funcionar.
- Simular o erro relatado.
- Analisar o código: Identificar o ponto de entrada. Ver o que está sendo processado. Entender como está sendo processado. Comparar com o resultado esperado. Encontrar o ponto exato do erro.
- Corrigir o código.
- Simular novamente o resultado.
- Aplicar os testes necessários.
- Realizar o commit.
Todo o processo é feito de forma quase síncrona. Para seguir para a próxima etapa, é essencial concluir totalmente a anterior. Isso evita dúvidas e, principalmente, rollbacks que atrasam ainda mais o fluxo. Essas etapas podem levar horas, dias ou até meses, dependendo do grau de complexidade da demanda.
Nos últimos meses, testei diversos agentes de IA: Codex, JetBrains Junie, GitHub Copilot e Amazon CodeWhisperer. Entre eles, adotei o JetBrains Junie ou “Abu”, como carinhosamente apelidamos entre os devs, por ser o que mais se integrou de forma natural a diferentes cenários: desde linguagens backend até scripts de infraestrutura para criar e alterar serviços.
Durante minha avaliação, estabeleci alguns pontos-chave para análise da IA:
- Entendimento de contexto: Capacidade de compreender o que está sendo desenvolvido, mesmo em blocos parciais de código.
- Análise de código: Consegue identificar padrões, erros comuns, más práticas e até sugerir correções automaticamente.
- Ponto de delírio: Quando a IA “viaja” e começa a sugerir coisas fora do contexto real. Todo agente tem seu momento de ilusão.
Entendimento de contexto
Durante o processo de entedimento de contexto, solicitei ao agente de IA que examinasse o fluxo de entrada da API /searchByUser, descrevendo:
- O que o método faz, com detalhes linha por linha;
- Pontos críticos relacionados a: Regras de negócio; Performance; Acoplamento; Redundâncias; E demais elementos que pudessem impactar a eficiência do fluxo.
Além disso, pedi a geração automática de documentação em formato Markdown, estruturando a explicação de forma clara e úil para devs em revisão de código ou manutenção.
Resultados Obtidos
Cenários onde a IA foi eficiente
Em projetos bem estruturados, os resultados foram excelentes.
Alguns pontos observados:
- Uso de variáveis de ambiente bem nomeadas e coerentes com suas finalidades;
- Métodos com até 40 linhas, mantendo coesão;
- Até 10 chamadas externas no máximo, entre services, repositories e utils;
- Responsabilidade única bem definida em cada classe;
- Microsserviços de baixa a média complexidade.
Nesses contextos, a IA conseguiu:
- Analisar o fluxo com precisão;
- Reduzir drasticamente o tempo de entendimento do código;
- Melhorar a qualidade das entregas ao sugerir refatorações claras e viáveis.
Limitações encontradas
Como nem tudo são flores, em projetos legados ou APIs com múltiplas responsabilidades em um único método, a IA apresentou dificuldades.
Entre os principais problemas:
- Esgotamento rápido do token/contexto em apenas uma execução;
- Entendimento parcial do processo, devido ao volume e acoplamento excessivo;
- Ponto de delírio: a IA começou a gerar sugestões fora do escopo do código analisado;
- Risco de loops cíclicos entre bibliotecas e chamadas recursivas;
- Alto consumo de tokens, levando a limites da própria ferramenta.
Em Resumo:
O uso de IA para entendimento de fluxo funciona muito bem em:
- Projetos pequenos e médios;
- Blocos de código coesos;
- Códigos com responsabilidades claras e separadas.
Contudo, em projetos grandes, legados ou mal estruturados, o ideal é aplicar a análise de forma progressiva e controlada, em pequenos blocos, com cuidado para não cair em armadilhas como loops cíclicos ou consumo exagerado de contexto.
Analise de Codigo
Durante o processo de análise de código utilizando agentes de IA, identifiquei alguns pontos importantes. A análise é feita exclusivamente sobre o código disponível no contexto, o que pode levar a uma interpretação parcial do método ou da classe. Um exemplo prático disso é quando temos um método que faz um loop para formatar um campo e, em seguida, salva no banco de dados.
Codigo simples:
List<String> nomes = carregarNomes(); // Ex: ["joão", "maria", ..., "ana"]
try {
// Conexão com o banco
Connection conn = DriverManager.getConnection(
"jdbc:mysql://localhost:3306/meubanco", "usuario", "senha");
Statement stmt = conn.createStatement();
// Loop simples: formata e insere
for (String nome : nomes) {
String nomeFormatado = nome.toUpperCase();
String sql = "INSERT INTO pessoas (nome) VALUES ('" + nomeFormatado + "')";
stmt.executeUpdate(sql); // Executa 1 por 1
}
stmt.close();
conn.close();
} catch (Exception e) {
e.printStackTrace();
}
Codigo sugerido:
// Lista de nomes simulada
List<String> nomes = carregarNomes(); // Ex: ["joão", "maria", ..., "ana"]
// Define tamanho do chunk
int chunkSize = 100;
// Divide a lista em chunks
List<List<String>> chunks = new ArrayList<>();
for (int i = 0; i < nomes.size(); i += chunkSize) {
chunks.add(nomes.subList(i, Math.min(i + chunkSize, nomes.size())));
}
// Processa os chunks em paralelo
chunks.parallelStream().forEach(chunk -> {
try (Connection conn = abrirConexao()) {
conn.setAutoCommit(false);
PreparedStatement stmt = conn.prepareStatement("INSERT INTO pessoas (nome) VALUES (?)");
for (String nome : chunk) {
String nomeFormatado = nome.toUpperCase();
stmt.setString(1, nomeFormatado);
stmt.addBatch();
}
stmt.executeBatch();
conn.commit();
stmt.close();
} catch (Exception e) {
// Loga erro (em produção use logger)
System.err.println("Erro ao processar chunk: " + e.getMessage());
}
});
Considerações Importantes
Para alguns desenvolvedores, apenas olhando o código, o segundo exemplo parece claramente melhor, pois oferece:
- Processamento paralelo
- Maior escalabilidade
- Menor uso de I/O por usar executeBatch()
Mas é preciso cautela.
Ao utilizar parallelStream() em contextos onde não há necessidade real de paralelismo, o sistema pode sofrer:
- Consumo excessivo de memória e CPU
- Escalonamento automático no Kubernetes, gerando novos pods desnecessariamente
- Aumento de custo e latência, sem ganhos reais de performance
Além disso, em ambientes concorrentes, é necessário considerar:
- Uso correto de Atomic* para controle de concorrência
- Verificação da integridade e mutabilidade das listas
- Possíveis problemas de sincronização e efeitos colaterais
O que a IA não vê (mas você precisa ver)
O agente de IA não é capaz de avaliar cenários reais com dados como:
- Heap dumps (hprof) para análise de uso de memória
- Java Memory Analyzer (MAT) para descobrir vazamentos ou gargalos de alocação
- Thread dumps e profiling em tempo real para detectar travamentos, deadlocks ou picos de CPU
Essas ferramentas são essenciais para entender o comportamento real da aplicação no ambiente.
Em Resumo:
Unir ferramentas como o hprof com a capacidade analítica de um agente de IA pode proporcionar ganhos reais de performance e produtividade. No entanto:
- A IA não é uma solução definitiva
- É preciso adaptar as sugestões à realidade da arquitetura
- E tomar cuidado para evitar consumo excessivo de recursos
A IA pode ser um copiloto poderoso, mas a direção ainda é responsabilidade do desenvolvedor.
Ponto de delírio
É até engraçado, se não fosse trágico…
Em projetos legados especialmente aqueles famosos monólitos cheios de herança, polimorfismo e múltiplas responsabilidades — o agente de IA pode começar a delirar seriamente durante determinadas solicitações de refatoração.
Já presenciei casos onde:
- A IA bugou completamente tentando entender hierarquias complexas de herança
- Sugeriu a exclusão de classes inteiras, incluindo métodos que não tinham nenhuma relação com a solicitação original
- Ofereceu refatorações que quebrariam o sistema se fossem aplicadas cegamente
E quanto mais você mantém o mesmo escopo e adiciona várias solicitações na mesma chamada, maior o risco de delírio. Isso acontece porque a IA tenta entender o contexto como um todo, mas esse “todo” muitas vezes é uma estrutura altamente acoplada, ambígua ou inconsistente típica de sistemas antigos e com defit tecnico.
Em Resumo:
Limitar o escopo da solicitação, ser objetivo e fornecer informações específicas do código ajuda a guiar a IA para um entendimento mais lógico e preciso. Esse tipo de abordagem pode sim ser muito vantajosa, resultando em delírios controlados, muitas vezes até imperceptíveis.
Mas lembre-se: contexto demais sem clareza é o combustível do caos para a IA.
Conclusão:
Entre os agentes de IA testados, o JetBrains Junie foi o que mais se destacou em:
- Entendimento de contexto
- Controle de delírios em análises longas
- Capacidade de interpretar e sugerir melhorias no código
As métricas abaixo foram levantadas por mim, com base em testes práticos e tempo cronometrado em cada etapa durante atividades reais de desenvolvimento:
- Até 70% de aceleração no processo de análise de código
- 30% de ganho no tempo de desenvolvimento
- 40% de melhoria na eficiência de refatorações
No fim das contas, isso impacta diretamente em:
- Menor desgaste mental para o desenvolvedor
- Entregas mais rápidas
- Melhor performance das soluções
- Maior produtividade da equipe
Mas atenção: IA não substitui o desenvolvedor
O agente de IA não substitui um profissional experiente, mas pode sim facilitar a vida do desenvolvedor, reduzindo esforço cognitivo e aumentando a qualidade das entregas. Se bem utilizada, a IA se torna uma ferramenta estratégica, potencializando a performance do time e, por consequência, os resultados da empresa.